9.09.2011

UM ENIGMA CHAMADO BELEZA... (por Luís Galego)

Um Pouco
Acrílico sobre tela | 100 x 160 cm | da série "Ditos"


Ó beleza! Onde está a tua verdade?
William Shakespeare

Não existe unanimidade à volta do conceito de beleza. O belo é um conceito movediço, sem definição coerente, é como desembarcar numa ilha misteriosa, uma arma de dois gumes. Sábios doutores da estética dizem-nos que a beleza é como o amor, não se pode definir, um espectáculo sem rede alguma. Se há quem nomeie a beleza física como imprescindível, para outros o belo espiritual prevalece. O que para uns representa beleza, para outros é um casarão vazio e condenado. O povo diz, “Quem feio ama, bonito lhe parece”, John Donne contrapõe que o amor construído sobre a beleza morre com a beleza, ternura rápida, e Confúcio atalha que ainda não viu ninguém que ame a virtude tanto quanto ama a beleza do corpo. Aristóteles conluie que a beleza é dom de Deus. Platão ensina-nos que o belo coincide com o bem e que a beleza tem algo mais que as outras formas inteligíveis: é a única que pode ser vista pelos olhos físicos, além de o ser pelos olhos da alma.

Um enfeitiçado pela beleza, como S. Agostinho, soube interpretar o belo com sublimes expressões: «Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!»”. Mas uma das mais atraentes definições pertence a S. Tomás de Aquino, que a descreve como “aquilo que provoca um conhecimento gozoso”, a emoção que nos é provocada pelo estético.

Conceito que pesa séculos sobre as costas e as pressões sociais ditam regras e restrições, em todas as idades e classes sociais. Nos programas para a infância, o mau é retratado como um indivíduo vil e feio, um marinheiro num barco naufragado, enquanto que o herói é jovem, atraente, de brilho intenso em eterna aventura, equívocos para camuflar o coração. Esta percepção de beleza é-nos incutida desde o berço. Modelos, fotografias ou espécies de magazines prescrevem doces venenos, padrões que são interiorizados ao longo de uma vida e que propõem enganar a rotina dos caminhos sem lua. Para se atingirem certos parâmetros, há quem recorra a métodos artificiais, barbitúricos piedosos, que vão proporcionar a beleza, a jóia valiosa mais pretendida, e, por consequência, provocar um sentimento avassalador de auto-confiança, a sensação de possuir a imortalidade a cada instante – contra o velho corvo que é o tempo – enchendo-se de estrelas como um manto real e assim roer a solidão.

“As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, diz Vinícius de Moraes numa época em que a magreza não era deslumbrante e as raparigas não se violentavam para alcançar um corpo andrógino. Mas não será a beleza tudo aquilo que nos agrada, esmaga, comove, faz estremecer? Uma mulher com quem beber e morrer, uma personagem de Pirandello, as palavras escritas de Yourcenar, as imagens e a Sinfonia de Mahler em Morte em Veneza, as vozes de Jessye Norman e Elis Regina, o concerto para violino de Tchaikovsky, um verso de Sophia que conhecemos de cor, uma harpa envelhecida de Herberto Helder, as rugas encontradas na paisagística do rosto das belas mulheres, o aplauso ao velho actor, um sorriso, um afago, um segredo ao ouvido, a carícia da espuma, a beleza das flores quase sem perfume, uma pequena folha na felicidade do ar, um toque de lábios intenso, um abrir mão da primavera – como escreve Neruda – para que alguém muito especial nos continue olhando, um último abraço ao cair da noite, uma lareira que se acende em Novembro, o rio lá em baixo, tão azul ao final da tarde?

Não será beleza, também, a desconstrução dos estereótipos que podemos estarrecidos admirar na obra de eximia complexidade de Ricardo Passos, convocando-nos para um império dos sentidos?

O que é afinal a beleza?

Luís Galego
Mestre em Sociologia
infinito-pessoal.blogspot.com

1 comentário:

  1. Gostei imenso, Luís.
    Muito obrigada pela partilha deste texto...A beleza é um conceito muito individual...até existe "o belo horrível". e se todos tivéssemos o mesmo gosto que seria dos feios e das feias e dos bonitos e das bonitas?
    Beijinhos.

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