MIL VOZES de protesto (ou espanto), de revolta (ou admiração)! O clamor da indignação dos pobres injustiçados, ou a glória triunfante e sumptuosa dos trunfos da riqueza e da fortuna. Mil vozes surdas, gritantes e simultâneas, entre o mutismo secular-intemporal dos rebanhos humanos domesticados, subjugados pela desumanidade do poder. O poder (ir)racional da força natural, contra as forças malignas que chibatearam a energia braçal da Humanidade primordial, para que a madeira, a rocha e, o metal, produzissem as máquinas elementares que não libertariam a cidadania, antes confeririam, ao progresso marcial, a energia de novas armas, guiadas pela astúcia iníqua dos poderosos que, sempre!, a dominaram pelo dinheiro que cimenta os cultos da ignorância e a diversidade do temor avassalante.
O paradoxo social, os
paradigmas idiossincráticos da política, as fraudulentas lições da História, as
lendas do Medo, a fábrica equívoca de áureos futuros colectivos, o milagre da
felicidade comunitária gratuita sorteada, nas compras massivas de fé(?), impostas às almas indecisas pela (ir)racionalidade da propaganda. O
marketing publicitário multimilenar das tiranias!
Esta é uma mostra conjunta
de obras livres e inter-descomprometidas, marcada pela força de mãos-dadas, de
dois artistas plásticos, uma vez mais reveladora (in)comum de uma proximidade pontual afectiva e solidária – na
actualidade e, sempre! – entre perfis distintos, duas linguagens, duas
personalidades diversas que, intencionalmente, conjugam, a dois tempos, o subjectivismo de ecos dessas mil vozes – num espaço conventual, onde se casa a natureza do (ir)real simbólico, na forma (o volume corpóreo, orgasticamente saboreado pela modelação escultórica
da morfologia humana elevada ao feminino) …com o surreal transacto, na
figura pictural (a imagem
virtualmente plana, onde a eloquência, interpretativa da absurdez social contemporânea,
se manifesta, desventradora da aparência comum das pessoas e suas coisas):
as mensagens, táctil e virtual, de duas autorias lusitanas dando forma à ‘essência pessoana de um desassossego
quinto’imperial’ num lapso
transgressor da nossa coetaneidade…
Eis que, neste acolhedor –
e histórico-monumental – espaço monástico (…monárquico,
também, enquanto símbolo da riqueza
transatlântica do poder senhorial absoluto de Dom João V) se concelebra, com a exibição associada de obras destes dois autores, o Dia Internacional dos Museus, não mais
se duvidando que o conceito necrológico a estas instituições, outrora
generalizadamente atribuído, se aproxima de ser, definitivamente, postergado!
De facto, o acolhimento
dado a esta exposição temporária permite oferecer – aos que a visitem (lateralmente ao percurso diário das visitas
museológicas à grandiosidade deste espaço, outrora realista e conventual ) –
a ressurreição da força anímica que dele remanesce, como implante, transitório
e exemplar, da criatividade artística contemporânea.
Fica demonstrado, à
puridade, que um Museu não é, de facto, nos dias de hoje, um cemitério de cultura,
consagrado ao constrangimento e ao «medo respeitoso das massas populares
analfabetas, de antanho, perante um obscurantismo conveniente à ocultação da
verdade dos homens e das coisas, da Arte e da Ciência»…
Com a significância e
representatividade das obras expostas, Santos
Carvalho e Ricardo Passos,
os dois expositores, honram, numa segunda edição, o convite dos responsáveis
institucionais, dedicando, à efeméride, um contributo pleno de autenticidade
onde ecoam os gritos de mil vozes, entre
milhentos silêncios, sucedâneas (em
múltiplas e aleatórias perspectivas), já exponencialmente valorizados no
legado cultural humanístico do literato universal português José Saramago – sobremodo e, também, no fictivo monumento Memorial, que engendrou – pretextado pelo espaço (i)material do Convento que, parcial, esporádica e, coincidentemente, as alberga…
Trata-se, repito, de
linguagens – intercomplementares, nas suas leituras – provenientes do
imaginário (circunstancialmente)
síncrono, de dois artistas plásticos credenciados, com um percurso internacional
paralelo, entrecruzado, mais uma vez, nesta efeméride. Cada um dos autores – a
seu modo e maneira – explora a homeomorfo’geneidade da Figuração Humana, dela
extraindo expressões situacionais ou sentidos nocionais impressivos, congeminados
em acepções de intensa ‘ambiguidade gramatical’ que, (soit disant)
conformes (ou disformes) desafiam a
fantasia do observador, pelo seu (des)ajustamento
…ou inusitada configuração contextual, seja na sua singularidade, no conjunto
…ou, na transitoriedade (ou
provisoriedade) ambiental, deste invulgarmente magnífico espaço expositivo.
O maravilhoso –
magnificente-mítico ou aterrador-quimérico – contido nos artefactos aqui
conjugados, verá, porventura, multiplicada, a sua significância intrínseca, por
efeito analítico, ou da liberdade especulativa, do observador, solícito de
atenção, admiração ou reparo, seja pela sua (im)pertinência ou acutilância crítica, pela sua simplicidade, ou
pela simbiose de noções que, supostamente, a sua carga potencial desencadeará.
Nem o âmbito, nem o
contexto, nem os meios próprios, susceptíveis de terem sido disponibilizados a
esta exposição, nos possibilitam alargar o espectro desta breve (e, manifestamente, insuficiente) nota
introdutória. As obras patentes serão mais eloquentes. Este imponente espaço, conventual
e palaciano, de Mafra – multiplicado pela presença daqueles que a visitem – lhe
conferirão aquilo que, obviamente, seria displicente acrescentar-se aqui, na
escrita breve destas dispensáveis palavras…
José-Luis
Ferreira
CARAMULO,
MAIO 2012
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